quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Prefiro a Inquietude

Detesto sentir-me entediado. Preciso de estimulo constante na minha vida.
Preciso de sentir, de mudar, de corer, de arriscar; preciso de dar, de receber, de experimentar; preciso de partilha, de cumplicidade, de vontade e quando isso não existe, perco o interesse.

Por norma, sou mau jogador. Digo o que sinto e expresso o que quero, perdendo o efeito surpresa ou a ansiedade da incerteza, mas na verdade acho isso uma fraqueza, que as pessoas tendem a camuflar, interpretando a sua insegurança com razões bem menos depreciativas.

Mas eu sou assim, um mau jogador, porque sei o que quero e não tenho medo de o assumir, uma vez que estou cansado de vidinhas estáveis, sob efeito do auto controlo, da comodidade e da protecção. Vidas assim, não desafiam ordens e por isso não assustam nem inquietam. Mas para mim, que preciso de me sentir vivo e preenchido, isso não passa de uma forma de prolongar o tédio que tanto me apoquenta.

O que promove a vida é o contacto, a partilha e a aproximação. Quando isso não existe, é como se a vida nos passasse ao lado enquanto fazemos grandiosos planos sobre como vivê-la. E eu não estou para isso. Prefiro a inquietude.

A minha última criação - Robinson Crusoe - Texto 3 do Angst

Robinson Crusoe é mais que um náufrago. É um aventureiro, que ao longo dos episódios que constituem a sua história, repete continuamente o mesmo pecado: o de não se satisfazer com a sua posição modesta e burguesa.
Ao invés disso, ele parte à conquista de mais, quase morrendo afogado, sendo feito escravo, até conseguir finalmente o sucesso, na forma de uma quinta brasileira.

No entanto, este sucesso revela-se insuficiente e a sua inquietude misturada com o desejo de mais, fá-lo partir de novo à procura de mais, sacrificando o que conseguira, acabando por fim na ilha, naufragado e só.

Uma vez lá, entregue ás suas considerações, entende o seu destino com um castigo pela sua rebelião contra a ordem. Influenciado pelo puritanismo burguês, ele entrega-se à auto análise, reproduzindo aos poucos a história da humanidade.

Primeiro o domínio do homem sobre a natureza, da agricultura à pecuária, inaugurando a instrumentalização em prol da auto conservação, conforme fez a sociedade burguesa da revolução industrial. Passa a administrar o seu tempo, entregando-se ao trabalho, de acordo com um processo: observação da sua vida, desenvolvimento de um método e criação de uma estabilidade.

O resultado final, reproduz o estado actual da civilização, quase uma inevitabilidade perante a natureza do modelo burguês: a solidão social, o autocontrolo, a organização metódica da sua vida, a independência e a inventividade técnica, destinada a reproduzir um estado de coisas, não satisfatório, mas estável, longe das atribulações de quem provoca a ordem.

A minha última criação - Universo - Texto 2 do Angst

Desde tempos imemoriais que o sol e a lua falam aos Homens. Os nossos antepassados olharam para o espaço e procuraram nele explicações para a vida, a morte e a imortalidade.

O Universo é para nós, tudo o que existe. O espaço tempo, a matéria, a energia, as interacções, as leis que as regem e o modo como tudo é criado, destruído e alterado.

À luz do seu conhecimento, criaram-se mitologias para a criação. O universo nascera de um ovo, do acto criador de um Deus, da união entre um homem e uma mulher, ou mais simplesmente, emanado de princípios fundamentais e matérias caóticas.
Hoje, quando olhamos, sabemos que o sol é uma estrela, a nossa, orbitado por 8 planetas e outros milhares de corpos, que está a 150.000.000kms da terra, levando a sua luz, 8 minutos a atingir o nosso mundo.

Com o tempo aprendemos também que o universo tem entre 13 e 20 biliões de anos. Está cheio de galáxias, cada uma das quais com milhões e milhões de estrelas, rodeados de triliões de corpos, planetas e satélites, formados a partir da condensação da matéria em nuvens de gás e poeira, que se mantém no seu lugar, por acção da gravidade, das Forças Nucleares Forte e Fraca e do electromagnetismo, forças essas que parecem reger todas as interacções fundamentais das partículas.

Aprendemos que os átomos, que um dia pensámos serem a base do universo, são na verdade compostos por protões, electrões e neutrões, que por seu lado, são compostos por fermiões; partículas elementares que se dividem em quarks e leptões; que por ser lado se relacionam com bosões, outra das partículas elementares, cuja interacção torna possível a matéria. Mas muito deste conhecimento é teórico, produto da matemática, mais do que da observação factual. É conhecimento inferido, como é o caso da matéria negra, que compõe 23% do universo, mas que não é visível, apenas inferida, como fundamental para explicar o comportamento dos corpos.

Na verdade o universo é muito maior do que aquilo que conseguimos observar.
Inventámos para tal um termo: o universo visível.
Mas mesmo neste caso, o ser visível, não o torna conhecível. Grande parte deste, nunca irá interagir connosco. Mesmo que existisse eternamente, a possibilidade da sua expansão ser feita a uma velocidade superior à da luz, tornará sempre partes do universo fora do nosso alcance.

O nosso desconhecimento parece não ter fim e pior que isso, parece inultrapassável na sua totalidade. Que certeza pudemos ter que o que existe, existiu e existirá, é a única coisa que há, houve ou haverá?
Que nos garante que não haverão outros universos, desligados do nosso, geridos por outras constantes físicas e como tal, impossíveis de detectar?
Segundo a quântica, a probabilidade do resultado de uma experiência feita a partir de um estado inicial perfeitamente definido, é determinada pela soma de todos os caminhos possíveis, para o qual o resultado evolui até ao estado final. Por outras palavras, só um resultado é possível. Assim sendo, até o que não existe, pode influenciar o que existe.

Perante isto, mesmo o que sabemos, não diminui a impotência.
A estrela mais próxima da nossa, Próxima Centauri, está a 4,2 anos luz da terra.
A mais brilhante no ceú nocturno, Sírio, a 8,57 anos luz.
A luz viaja a 300.000kms/seg, ou 300.000.000 km/h.
Um avião comercial atinge entre 700 e 900km/h.
Um jacto hipersónico bate Mach 5, mais de 5000km/h.
A Apolo 11, que pousou na lua, atingiu 40.000km/h.
Mesmo a esta velocidade demoraria cerca de 7.500 anos atingir a estrela mais próxima.
Nem a dilatação do tempo, conforme descrita na Teoria da Relatividade, nos deixa menos isolados.

Pelo contrário, parece revelar a nossa insignificância cósmica. Seja o tempo encarado como uma dimensão absoluta à imagem de Newton, ou de uma estrutura intelectual usada para sequenciar eventos, a verdade é que o tempo é o que separa causa de efeito.

A causa, é a nossa realidade. A possibilidade de vida noutros mundos, não diminui a certeza que devido à nossa actual incapacidade, o efeito desta realidade, é o de estarmos irremediavelmente sós no universo.


Próxima Centauri - 4,2 anos luz
Luz = 300.000.000 km/h
Num dia = 7.200.000.000 km
Num ano = 2.628.000.000.000 km
4 Anos = 10.512.000.000.000 km

Apolo 11 = 40.000km/h
Num dia = 960.000 km
Num ano = 350.400.000 km
4 Anos = 1.401.600.000 km

10.512.000.000.000 / 1.401.600.000 = 7.500 anos

terça-feira, 27 de outubro de 2009

A minha última criação - Dom Quixote - Texto 1 do Angst

Dom Quixote era um aristocrata espanhol, que acreditando nos romances de cavalaria que lê compulsivamente, decide tornar-se cavaleiro andante, convencido da veracidade histórica dos mesmos. Para tal, arma-se cavaleiro, arranje um fiel escudeiro, elege uma feia camponesa a bela donzela e parte pelo mundo, vivendo o seu próprio romance de cavalaria.

O livro é uma parodia aos romances de cavalaria, mas também uma Sátira dos preceitos literários que regem aquelas histórias. A luta por valores como o amor, a paz e a justiça, numa fantasia desmentida pela própria realidade. Se por um lado representa a liberdade máxima, por outro encerra-a dentro de estreitos limites.

O que se torna dramático e pungente na personagem de Dom Quixote, é a expressão amarga da impossibilidade de dar vida a um ideal. Toda a história é um conflito entre estas duas forças, a tentativa de uma personagem de viver um período áureo de um vida que já não existe, preenchendo espaços vazios com palavras que simbolizam algo do qual se sente falta, refém da verdade que a necessidade não é garantia de existência.

É o fim de um mundo, de um tempo, eternizado na acção de alguém que se recusa a deixá-lo morrer, tornando-se motivo de chacota. É a tristeza da desilusão, o fim de um sonho sem progresso, que termina na decepção e na dor. Mas mesmo antecipando o fracasso ou pelo menos confrontado com ele, Dom Quixote persegue na sua própria tenacidade, numa espécie de louvor de uma moral de fracasso, repleto de objectivos vagos e irrealizáveis.

A seu jeito, Dom Quixote representa o fim da nobreza de coração e da plenitude da vontade, valores que dominaram toda a idade média. Ao marcar o fim de um tempo, ele marca inevitavelmente, o início de uma outra época, uma modernidade apresentada através da falência da antiguidade que veio substituir.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Sabes o que é triste?

É que tu és uma daquelas pessoas que parecem demasiado tímidas, para se sentirem à vontade onde quer que seja.

Pessoas assim tendem a guardar para si o que de mais precioso têm, com medo do que a isso possa acontecer, uma vez exposto.

O que me deixa triste é saber que nunca irei viver isso contigo, porque entre nós dificilmente existirá a abertura necessária a uma relação que torne isso possível.

No rescaldo dos 31 anos

Tudo o que posso saber sobre a vida é uma expectativa, uma potencialidade, cheia de desejo e medo, que só adquire realidade no que acontece mais tarde.
A vontade de substituir a solidão pela coexistência é incumprível.
Quando desaparece a solidão, a coexistência vai com ela, pois o que a solidão busca na coexistência é a definição do futuro, despojando de mistério a da esperança de ser pleno e completo.
Quando se sofre, prometemos a nós mesmos, que não vamos voltar a passar pelo mesmo. Que não se vai amar mais. Que não se vai voltar a criar expectativas. Que não se vai voltar a sofrer.

A necessidade de escolha não tem receitas infalíveis. Tentamos agir bem sem garantias de resultado. É uma certeza interminável. Uma decisão solitária, que torna fundamental a ideia de perdão, porque essa é a única hipótese que há para diminuir a presença do abismo sobre o qual não pode ser lançada mais do que uma instável ponte. E como tudo é incontrolável e imprevisível, a felicidade não pode deixar de ser infundada. Constrói-se a si mesmo, Diariamente. Deixa por conta do indivíduo que age, a tarefa de descobrir e aplicar o princípio que se adeqúe às circunstâncias. Somos forçados a enfrentar a nossa autonomia.

Crescer é aprender a viver com o caos. Crescer é aprender a viver no equilíbrio entre a necessidade de conforto e a necessidade de excitação. Uma ameaça constante que há em aceitar que só há as estradas que fazemos, que se fazem, ao caminharmos por elas. Não há verdade maior que sossegue os anseios e premonições, algo que garanta o afastamento do erro. Estamos abandonados à nossa própria inteligência e vontade.

Andei a mascarar uma realidade de uma ordem humana incapaz de suportar o só poder contar com os seus meios para justificar os limites da sua existência. Uma dependência em relação a coisas e processos que não posso produzir, controlar ou prever.

Foi um erro que por preguiça, medo ou conforto, tenha deixado de acreditar no futuro. Existir é como viver rumo a algo. A diferença está entre o predito e o efectivo. Pensar no que está para vir torna a vida um acto de superação. Mantém viva a esperança de plenitude, mantendo a vida em aberto, incompleta.

Arrumações

Passei o dia em arrumações. Acabei a deitar fora grande parte das coisas que trouxe da outra casa, algumas das quais, nem de dentro dos caixotes saíram. Esvaziei uma divisão à custa de postais antigos, telemóveis avariados e aparelhos descarregados. Deitei fora a ampulheta cor-de-rosa que nunca me serviu para nada, bem como o cabide de madeira que me foi dado por um amigo italiano, que nunca deitava nada fora por considerá-lo um acto de desrespeito para com o seu passado. Encontrei dezenas de bilhetes de cinema de filmes dos quais já nem do enredo me lembro, quanto mais da ocasião que me levou a guardá-los.

É sempre curioso descobrir conforto como adulto, em algo que nos perturbava enquanto crianças, como a mim me perturbava desfazer-me das coisas. Existe algo profundamente libertador no acto de fazer escolhas e deitar fora.

Aprendi isso com a idade. Ou então cansei-me de andar a correr. Despertei para a privacidade das coisas belas, no que nelas há para apreciar. Deixei-me seduzir pela comodidade do que já conheço, tanto como aceitei o desejo de coisas, que nunca quisera assumir, por medo de perder o que tinha ou de ganhar algo para o qual me sentia preparado. E com essa coragem, encontrei um mundo novo, cheio de palavras, das minhas, dos outros, como se apenas longe da rotina, fosse possível escutar o mundo.
Um novo mundo onde as coisas, ao contrário de se sucederem, evoluem. Acredito que isso seja mais difícil de enfrentar, quando ainda não se fez o suficiente para deixar de acreditar, que o que nos vai definir, ainda está por vir.

Hoje estou familiarizado com termos como determinismo biológico, condicionalismo da educação, ou força das circunstâncias, que tornam certas coisas, não predestináveis, mas praticamente impossíveis de evitar ou modificar. Grande parte do que aprendi até hoje, foi em deixar no passado os momentos da vida que nele acabaram. Evoluí na minha maturidade quando aceitei que existe um limite a partir do qual, deixam de existir razões para justificar as coisas que nos vão acontecendo. Pode-se dizer que não se fará um gesto enquanto não se entender o que levou coisas importantes e sólidas na nossa vida, serem reduzidas a pó, mas depois de o ter feito, o que retirei da experiência, foi um desgaste estéril.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

domingo, 18 de outubro de 2009

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Naõ tinha nada para fazer



Os desenhos não são meus.
Só a sonorização.

Episódio 22

Faz hoje 5 anos que um camião descontrolado colheu o carro do meu pai. Chovia torrencialmente, um pneu rebentou, o condutor perdeu o controlo na derrapagem, tombando e arrastando o carro para a valeta, com os meus pais lá dentro.
Foi um acidente trágico. Não só pela forma como aconteceu, mas principalmente pelo momento em que se deu. Nos últimos meses de vida, eles tinham-se reaproximado. O meu pai deixara a mulher com que vivera e motivado sei lá eu porque vontade, quis voltar para a minha mãe. A última vez que tive com ele, ao jantar, confessou-me que precisara de passar por tudo o que passara, para perceber que a minha mãe fora, como ainda era, a mulher da vida dele. Ela mostrou-se mais renitente. Estabeleceu um dia da semana para estarem juntos, mas não o deixou voltar para a casa e a sua cama, disse-me, estava interdita. Suponho que nunca lhe perdoou a traição e os anos passados não foram suficientes, para voltar a recuperar a confiança nele.
O que não a impediu de redescobrir naquela reaproximação, uma alegria que não me recordo ter visto noutros tempos. A dor que se afasta nem sempre leva consigo o amor e na que fica, algo deste permanece. Como me disse a minha mãe, redescobriram a amizade, o que para dois adultos de 50 anos é um achado notável, como frisou o meu pai, confirmando-me a reciprocidade do sentimento. Não era eu que iria separar aquilo que a vida tornara a juntar. Enterrei-os na mesma campa.
A decisão revelou-se polémica. A minha avó brasileira opôs-se, “porque o homem que abandona a mulher em vida, não merece o descanso eterno ao lado dela”. Já a minha outra avó, a paterna, discordou pela boca do filho, meu tio, que me informou que “com todo o dinheiro que o teu pai te deixou, é uma falta de respeito nem sequer lhe construíres uma campa”. Ao meu tio, pelos ouvidos da minha avó, respondi que era uma questão de simbologia emocional e não de ostentação material. À minha avó materna expliquei que o divórcio legal, não fora sinónimo de separação afectiva. Embora esclarecidos, nenhum ficou satisfeito. O que não me afectou. Nenhum deles lá estava, quando a decisão foi tomada. Nem tão pouco, quando a notícia foi recebida.
Estava sozinho em casa. Tinha chegado do trabalho havia pouco, quando o telefone tocou. Fui a correr para o hospital, para ouvir da boca do médico, o que ele tivera pudor de dizer ao telefone.
- Não havia nada a fazer, disse pesaroso. Morreram no impacto, acrescentou, como se a rapidez fosse um paliativo consolador. Do que se seguiu, confesso, não me recordo com exactidão.

Um amigo meu psicólogo explicou-me uma vez, que há certos acontecimentos tão traumáticos para o ser, que a consciência os relega para um esquecimento forçado, para proteger a integridade do organismo. Descrições técnicas à parte, lembro-me que não chorei uma única lágrima, mais pelo espanto, que pela ausência de razões. Poucas foram as vezes na vida em que me senti tão impotente. O Pedro veio ter comigo ao hospital e levou-me para asa dele. O dia seguinte, passei-o em casa da Marta, que se ofereceu para tratar da burocracia da morte. Ao terceiro dia, como está nas Escrituras, fez-se o enterro. Sem ressurreição, que o privilégio não é extensível a profetas não sancionados.
Ficaram enterrados no topo de uma colina verde, ao lado de outras campas geometricamente dispostas como um tapete, que deslizava colina abaixo. A afluência foi grande. O amigo do meu pai entretanto tornado Secretário de Estado, trouxe consigo um bispo, que elaborou um discurso fúnebre solene, que terminou com a frase que mandei gravar na lápide, que só ficou pronta, uns dias depois.
“O que a vida separou, a morte uniu”.
Mais uma escolha pouco popular. A minha avó achou de mau gosto. O meu avô de inaudito. O meu tio, na sua inabilidade criativa, repetiu a acusação. Era uma falta de respeito. Era um acto irónico, de humor negro, uma desconsideração pela alma dos dois mortos, como me fez saber a minha outra avó. De novo, ignorei os protestos. Isso e o facto de todos terem chorado muito, ao contrario de mim, o que me valeu nova admoestação, desta vez de uma velha que mal conhecia e se dizia tia da minha mãe. Fosse. A verdade é que os protestos desapareceram nesse mesmo dia, e com eles, os seus protagonistas, pois à excepção do feito no meu dia de anos, nem um telefone mais recebi, quanto mais visitas a casa. No cemitério, também não os vi por lá e a esse foi com alguma frequência, principalmente nos meses que se seguiram ao enterro. Existe naquele cemitério, uma paz despojada que se torna bastante tranquilizadora. Talvez tenha sido isso que me atrai lá. Isso, ou o processo de luto inacabado, pela ausência de choro, que só acabou por chegar um mês depois. Mas mais que por eles, chorei por mim.

Não sei se existe alguma forma de nos prepararmos para um facto irreversível. Sei que aquela morte despertou em mim uma sensação de tempo perdido, como se todo o tempo passado fora daquilo que queria, fosse um desperdício. Contra a morte, só a criação triunfa e apenas temporariamente. Custa-me pensar que entre eles, os meus pais, esse triunfo tenha sido tão precário. No final, o que restou foi a herança silenciosa da minha educação.
O universo dos meus pais foi o da supremacia do sentimento, contido pela razão e adaptado à educação. Não é de estranhar, pois embora possa parecer um resquício de romantismo tardio, a verdade é que época e o mundo em que se apaixonaram, estava cheio de convenções rigorosas e compromissos inquebráveis, pelo que a ideia era revolucionária: implicava um destino grandioso para o amor, o de superar todas as proibições para se realizar plenamente. O que disso para mim passou, não foi mais que uma cicatriz, um eco de uma fé não cínica, crente numa promessa inocente de amor.
Quando cresci, já essa promessa estava desactualizada, uma vez que as proibições tinham perdido o seu sentido, à luz do individualismo racional, que cobriu de ridículo as expressões sentimentais. Já ninguém acredita num amor puro, nem valoriza o acto altruísta de dar sem receber. A necessidade urgente de nos esvaziarmos dos factos negativos da vida, tirou qualquer sentido ao acto de sofrer. Mas como este não desapareceu, nem a necessidade de afecto, carinho e apreço, o que se gerou foi uma epidemia de depressões, que ao invés de funcionarem como alerta perante a impossibilidade de negar essa componente tão essencial da nossa existência, sufocaram a fragilidade sob o manto imperativo do optimismo. E eu, sujeito à pressão dos pares, enraizei o meu legado romântico numa reminiscência inconsciente. A reminiscência do livre afecto, da dependência emocional, da crença em algo ou em alguém, que jamais nos deixará abandonados à nossa solidão. A natureza deu-nos o poder e o direito de amar e ser amado como um fim e não como um meio. Acho que foi desse direito que quis abdicar, quando eles me morreram.
O problema é que o fim da possibilidade não apagou em mim o desejo de ser importante, mesmo sabendo-o improvável. Deixar de acreditar no conforto insuperável de se sentir amado e desejado, é o mesmo que evitar sentir, só para fugir à hipótese da dor. Fazê-lo, para mim, não é significou o fim da necessidade de procurar conforto perante as minhas vulnerabilidades. Apenas suscitou em mim a proibição de o fazer, em favor de uma hipotética preservação. O que na verdade, não resultou muito bem.
Disse muitas vezes a mim próprio que não devia depender de ninguém, que cada um deve seguir o seu próprio caminho, não fosse isto soar a uma mágoa que não queria sentir, a uma vingança que não fazia sentido perpetrar, a uma ruptura destinada apenas a chamar a atenção. Disse muitas vezes a mim próprio que devia ser lúcido para ver alem da cegueira da emoção, mas na verdade, tornei-me escravo dela, como se calhar sempre fui, preso num organismo que não está preparado para viver em estados neutros, pelo que o medo de dar sem receber, que me levou a procurar espaços do qual mais ninguém fazia parte. A consequência, foi ver-me a esquecer algo sem o qual deixava de fazer sentido viver. Tudo, para poder continuar a fazê-lo. Senti-me perdido. É certo que todos temos de aprender a viver sem algo que queremos, mas a privação do objecto, não nos liberta da fraqueza de, no nosso íntimo, nos sabermos totalmente vulneráveis, tanto à sua ausência, como à sua presença.
A solidão, foi a única resposta possível. A impotência de um sentimento digno, perante um problema maior. A aceitação da dor como da iminência da morte. O fim, repleto de isolamento, como um ser invisível que sofre em abstracto, desesperado perante uma luta que sabe não poder vencer.
Vi muitas vezes essa impotência no rosto dos velhos, nos gestos de quem se abraça, dela, a espreguiçar-se solta, livre, esticada na praia, na cama, no sofá. Vi-a na preocupação que se manifesta no carinho. Na despedida. Na certeza que há gestos e palavras que serão os últimos. Na incerteza dos acontecimentos terríveis e autênticos, no descontrolo dos momentos fantásticos e inesquecíveis. Ouvi-a, nas palavras segredadas em cumplicidade de ouvido, na celebração de um reencontro, no olhar por detrás das cortinas, na exposição de uma declaração, na manifestação de uma vontade profunda, honesta, irredutível, na beleza que se mostra, nas coisas simples que se vão vivendo.
Custou-me ficar sem essas coisas, sem as tais que transformaram a minha vida em algo mais que simples factos sucedâneos. Essas coisas, as tais, que não existiam sem haver coragem para assumir a impotência. A dignidade ferida de quem enfrenta só, de rosto descoberto, a revelação daquilo que se é. Uma revelação cuja força para assumir, perdi com o desaparecimento dos dois únicos seres que me tinham feito acreditar na possibilidade de ser forte na revelação da minha fraqueza. Foi tudo isso que me fez sentir tanto a falta deles. Foi isso, mais que qualquer outra coisa, que me levou às lágrimas.
Por isso chorei. Finalmente. Sozinho. Em casa.
A vida tem o dom de nos destruir emocionalmente. Esforçamo-nos por encarar com positivismo construtivo as incidências da mesma, dizendo que crescemos, ganhamos maturidade, perdemos as ilusões.
Mas na verdade, tudo não passa de uma destruição gradual e compulsiva.
A contradição, deixou-me vulnerável à minha condição.
Sem outra solução, demiti-me.

A minha última criação

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

"Im not at Home", by Peter Broderick



O maravilhoso Peter Broderick ao vivo na Holanda.

«Transcrito do The London Times»

No exterior do England 's Bristol Zoo existe um parque de estacionamento para 150 carros e 8 autocarros. Durante 25 anos, a cobrança do estacionamento foi efectuada por um muito simpático cobrador.
As taxas eram o correspondente a 1.40 ¤ para carros e 7.00 ¤ para os autocarros.
Um dia, após 25 sólidos anos de nenhuma falta ao trabalho, o cobrador simplesmente não apareceu.
A administração do Zoo, então, ligou para a Câmara Municipal e solicitou que enviassem um outro cobrador. A Câmara fez uma pequena pesquisa e respondeu que o estacionamento do Zoo era da responsabilidade do próprio Zoo, não dela. A administração do Zoo respondeu que o cobrador era um empregado da Câmara. A Câmara, por sua vez, respondeu que o cobrador do estacionamento jamais fizera parte dos seus quadros e que nunca lhe tinha pago ordenado.

Enquanto isso, descansando na sua bela residência nalgum lugar da costa da Espanha (ou algo parecido), existe um homem que, aparentemente, instalou a máquina de cobrança por sua conta e então, simplesmente começou a aparecer, todos os dias, cobrando e guardando as taxas de estacionamento, estimadas em 560 ¤ por dia... durante 25 anos!!! Assumindo que ele trabalhava os 7 dias da semana, arrecadou algo em torno de 7 milhões de Euros.
E ninguém sabe, nem sequer, seu nome ...!!!

terça-feira, 6 de outubro de 2009