segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Jenny Holzer

No Hospício

Ó senhor, nesta terra, quem questiona é um criminoso de pensamento, ou pensa que eu não vejo? O que quer que eu faça? Cansei-me de passar os dias enfiado num buraco para ter dinheiro, para gastar a comprar coisas feitas pelo mesmo tipo que me pagou para as fazer. E se não foi ele que as fez, foi outro parecido, ou pensa que não sei? Esta coisa da politica salarial não passa de um empréstimo com retorno garantido. Não fosse gozar tanto enquanto beneficio do crédito e já tinha metido uma bomba nisto tudo.
Sabe que vivemos num planeta minúsculo, num dos braços exteriores de um sistema que é um entre biliões e biliões? Sabia que o universo está em progressão? São eles a dizer, não eu. Dizem que se o universo não tiver matéria suficiente, a gravidade não vai ser capaz de atrair a matéria e tudo terminará num universo gelado. Literalmente! É que na vida, tudo depende de energia. Que sentido faz gastá-la toda a consumir a que consegui nas horas em que descansei? Por outro lado, que sentido faz ficar com ela?

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Não, não. Isso é um erro. Não quero combater sistema nenhum. Dizem que de invejoso a intolerante é possível chegar a visionário. Eu não sei, que nem vejo bem sem óculos e o senhor é que mos tirou. Sim, já sei. É um castigo temporário. Mas na realidade a culpa não é minha. Não sou o caos. Aqui está tudo tranquilo mas é só à superfície e porque o senhor tem um laboratório. Você fala-me de cura, mas tudo o que vejo por aqui é insistência.

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Nada disso. Não é verdade que eu tenha desprezo absoluto pelos outros. Tenho é muito respeito por mim! E não é pelo movimento dos outros que me ilibo da responsabilidade do que é uma escolha minha. Se isso faz de mim louco, então não estou interessado na sanidade. Eu entendo! Se a culpa for de todos, a culpa não é de ninguém e a culpa é o pecado predilecto das massas, ou pensa que eu não sei que toda a gente adora ver falhar quem tenta? E olhe que não sou o primeiro a dizer isto! Mas nem preciso de sífilis para o dizer.

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Na realidade não o fiz por mal. Não sou perigoso. Aliás, desde que aqui estou, nem precisei de ser acorrentado. Pelo menos não muita vez. Não sou perigoso. Quer dizer; pelo menos não mais que qualquer outro. O senhor diz que é não é normal, mas olhe que o que fiz, faz todo o sentido. O senhor quer impor uma normal, mas as coisas não são imutáveis. É o resquício dormente, a pontada aguda. Isso é que fica! O senhor pergunta porque o fiz. Porque é que não haveria de o ter feito? Deixei-me adormecer. Na realidade o senhor não sabe o que não ouve. Ele abusava. Estava-se mesmo à espera. Foi comido por um réptil gigante. O quê?

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Pensei muito nisso, acredite. Terei alguma coisa a acrescentar? O senhor fala de desperdício, mas aí eu pergunto: e será possível o mundo sentir falta de uma coisa que não fiz? Não me parece e olhe que o maluco aqui sou eu.

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Pronto, tudo bem. Escolha a terminologia o senhor. Se Deus tivesse aparecido a perguntar-me se queria nascer, teria optado por morrer, porque neste momento, o que me parece importante, é destruir o que sou. Tornar-me anónimo, porque adónido já eu sou. Sem vontade, não há como conspurcar a perfeição. Eu só queria renascer, morrer de novo, para assim me recriar na perfeição. Pergunta-me porque fiz o que fiz; foi por isso. Negar-me a mim próprio, para assim me puder construir. A memoria é a existência. Sabe, neste mundo, tudo são coisas. E as pessoas até são mais! Têm vocabulário jurídico. O que é que isso tem a ver? Tudo. As pessoas estão interessadas em simular. E reciclar. Já viu que reciclamos tudo? É para não contaminar o resto da espécie. Sou um miserável emocional. Foi por eles que o fiz e como sou um deles foi por mim também. Por isso é que acho mal ter sido travado. Quem lhes deu esse direito?

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Oh. Também já pouco importa. Quando se é livre de escolher, é difícil optar por um só. Tanta teimosia irreflectida por preconceito. Tanto sossego traz as suas certezas dogmáticas. Já lhe disse. Se é para isso, não conte comigo. A minha mulher diz que não posso estar bem e a forma que ela tem de me ajudar, foi enfiar comigo aqui.

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Não sei. Não me sinto anormal. Não conheço a normalidade, só por ser uma vítima dela.

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Isso quer dizer o quê?

Makoto Yabuki